JORNAL, ONLINE, ANGICO DOS DIAS NOTÍCIAS EDIÇÃO DE Nº 20174, (PUBLICAÇÕES NO BLOG). CAMPO ALEGRE DE LOURDES/BA, BRASIL. sexta - FEIRA. 30, 08, 2019.
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rocuradores da força-tarefa da
Lava Jato usaram vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos, fazendo-os
acreditar que sua denúncia era inevitável, mesmo quando não era. O intuito,
eles disseram explicitamente em chats do Telegram, era intimidar seus alvos
para que eles fizessem delações.
Além de ética questionável, esse tipo
de vazamento prova que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao
público ao negar categoricamente que agentes públicos passassem
informações da operação. Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos
foram planejados, discutidos e realizados. Em um deles, o próprio coordenador
efetuou o tipo exato de vazamento que ele negou publicamente que partisse da
força-tarefa.
Um exemplo ilustrativo desse método
ocorreu relativamente cedo nas operações. Em 21 de junho de 2015, o procurador
da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos
Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da
força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na
Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando,
mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre
fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a
colaboração.”
Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras
para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha
colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas
que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir
delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário.
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF
Curitiba 2
Orlando Martello – 09:03:04 – CF(leaks) qual foi a estratégia de
revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?
Carlos Fernando dos Santos Lima –
09:10:08 – http://m.politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-mira-do-chefe-,1710379
Santos Lima – 09:12:21 – Nem sei do que está falando,
mas meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações
são inevitáveis e incentivar a colaboração.
Santos Lima – 09:15:37 – Li a notícia do Flores na outra
lista. Apenas noticia requentada.
Santos Lima – 09:18:16 – Aliás,
o Moro me disse que vai ter que usar esta semana o termo do Avancini sobre
Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks,
não queremos fazer baem Angra e Eletrobrás? Pq alertou para este fato na
coletiva?
Martello – 09:26:00 – Para não perder o costume?
A conversa ocorreu dois dias depois
da 14ª fase da Lava Jato (voltada às empreiteiras Odebrecht
e Andrade Gutierrez). Os procuradores estavam debatendo estratégias para
conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como
operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia
se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão
preventiva com alerta da Interpol.
No chat, Santos Lima assume, sem
qualquer constrangimento, que vazava informações para a imprensa. Além disso, o
seu próprio comentário, insinua que se tratava de uma prática habitual, dado
que ele se refere aos vazamentos no plural — “meus vazamentos”. E o procurador
afirma com aparente orgulho e convicção que agia assim com objetivos bem
definidos: induzir os suspeitos a agirem de acordo com seus interesses.
Foto do Jornal
É relevante ressaltar que o
comentário do procurador não suscitou qualquer manifestação dos outros membros
da Lava Jato. No decorrer das conversas, os demais membros do grupo
permaneceram calados.
No mesmo dia, Deltan e Orlando
anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam
ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de
pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma
movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como
mostra sua conversa como o repórter do jornal.
21 de junho de 2015 – Chat privado
Deltan
Dallagnol – 11:43:49 – O operador da Odebrecht
era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as
transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA
relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse
de publicar isso hoje ou amanhã,SUPRIMIDO,
mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse
que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer
lugar do mundo. Agora com os EUA em ação, o que é novidade, vamos ver se
conseguimos fazer como caso FIFA com o Bernardo, o que nos inspirou.
SUPRIMIDO – 11:45:44 – Putz sensacional! !!!! Publico
hj!!!!!!!
A conversa prossegue, e o repórter
avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht (que não
estava formalizada à época) seria manchete do Estadão no dia seguinte.
De volta ao grupo
FT MPF Curitiba 2, uma conversa entre os dias 21 e 22 detalha as intenções da
força-tarefa em relação a Bernardo:
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF
Curitiba 2
Dallagnol – 20:34:00 – Confirmado
Carlos Fernando dos Santos Lima –
20:55:16 – Tentei
ler, mas não deu. Amanhã vejo. Vamos controlar a mídia de perto. Tenho um
espaço na FSP, quem sabe possamos usar se precisar.
A informação vazada pela
força-tarefa de fato virou manchete do jornal, e os
métodos de pressão sobre o delator são retomados pouco depois, no mesmo chat:
22 de junho de 2015 – Grupo FT MPF
Curitiba 2
Dallagnol – 01:56:48 – Conta,
Imóvel e outros ativos
Dallagnol – 01:57:00 – Ir
lá e dizer que ele perderá tudo.
Dallagnol – 01:57:20 – Colocar ele de
joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar
No fim das contas, a estratégia
fracassou, e Bernardo Freiburghaus não delatou.
O que faz disso ainda mais relevante é
que Dallagnol tem negado publicamente que os membros da Lava Jato tenham feito
qualquer vazamento. Numa entrevista para a BBC Brasil, após um discurso
que ele proferiu em Harvard, em abril de 2017, Dallagnol “disse que agentes
públicos não vazam informações — a brecha estaria no acesso inevitável a dados
secretos por réus e seus defensores”. Quando perguntado diretamente se a
força-tarefa havia cometido vazamentos, o procurador respondeu: “Nos casos em
que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não
vazaram”.
A assessoria de imprensa da Lava Jato
negou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, dizendo
ao Intercept que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a
imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. Para
justificar essa negativa, a força-tarefa argumenta que uma informação passada à
imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada
como “vazamento”. Nesse sentido, a força-tarefa argumenta que o material
enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem
judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento.
Entretanto, essa reportagem não alega
nem sugere que Dallagnol ou Santos Lima tenham cometido o crime de violação do
sigilo funcional ou desobedecido ordens judiciais ao vazar para a imprensa
informações que não eram de conhecimento público. O argumento da reportagem é
que eles fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou à BBC que nunca faziam:
vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a
mídia desconheciam para atingir seus objetivos.
"Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?".
Para defender Dallagnol das evidências
claras de que ele mentiu, a força-tarefa está tentando inventar uma nova
definição de “vazamento”, um significado que só considera vazamento o que
envolve uma violação da lei ou de uma ordem judicial. Mas não é isso que a
maioria das pessoas entende como vazamento. Em sua entrevista à BBC Brasil,
Dallagnol não negou que a força-tarefa realizasse vazamentos ilegais: ele negou
que a força-tarefa tenha realizado quaisquer vazamentos: “agentes públicos não
vazam informações”, ele disse, completando: “Nos casos em que apenas os agentes
públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A insistência da força-tarefa de que
nunca realizou nenhum vazamento é especialmente bizarra tendo em vista que o próprio
Santos Lima alardeou ter feito exatamente isso, usando a justamente palavra
vazamento: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as
investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”, escreveu, o que
demonstra que nem os próprios procuradores entendem a palavra “vazamento” da
forma que eles agora definem. Além disso, em sua conversa com o repórter do
Estadão, Dallagnol descreveu a informação que ele estava enviando, sobre a
proposta de colaboração com os EUA, como “novidade”, e por essa razão insistiu
que a informação que ele enviou só poderia ser publicada “mantendo meu nome em
off”. Se a informação já era pública, como defende a Lava Jato por meio de sua
assessoria, por que pedir off?
Além disso, a própria nota enviada ao
Intercept admite que os procuradores adiantaram uma ação da investigação ao
Estadão – uma informação privilegiada, portanto, ainda que não protegida por
sigilo judicial formalizado. “O único caso mencionado na consulta à
força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados
disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo,
sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à
formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza
vazamento”, diz a nota. De fato, a colaboração com a Suíça citada na reportagem
era pública, mas a “informação nova” (o pedido de ajuda aos EUA que foi a
manchete do jornal) não era pública porque nem sequer havia sido formalizada
até a publicação do texto.
Dessa forma, a negativa da
força-tarefa de que os procuradores fizeram exatamente o que Deltan falsamente
insistiu que nunca fizeram — vazar para a mídia informações que não eram de
conhecimento público — é desmentida pelas próprias palavras dos procuradores,
conforme publicadas no chat acima, em que eles mesmos descrevem suas ações como
“vazamentos”. É também desmentida pela insistência de Dallagnol ao repórter que
as informações passadas ao Estadão não fossem atribuídas a ele. É desmentida
ainda pelos repetidos episódios em que os procuradores admitem ter vazado à
mídia informações sobre as investigações, quase sempre usando especificamente a
palavra “vazamentos” que eles agora buscam redefinir. E é desmentida, por fim,
pela nota enviada ao Intercept.
VAZAMENTO
SELETIVO
ESSES VAZAMENTOS NÃO ERAM casos isolados. Em 2016, procuradores da Lava Jato
falavam abertamente sobre o uso de “vazamento seletivo” para mídia com a
intenção de influenciar e manipular um suposto pedido de liberdade para o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha:
12 de dezembro de 2016 – Grupo Filhos do
Januario 1
Carlos Fernando dos Santos Lima –
18:45:31 – Recebi
do russo : Off recebi uma notícia que não sei se é verdadeira que haveria uma
articulação no STF para soltura do Cunha amanhã
Santos Lima –19:00:58 – Alguma chance de soltarmos a
notícia da GOL?
Costa – 19:01:35 – vazamento seletivo …
Os diálogos provam que ele mentiu à
BBC. A negativa aconteceu depois de Dallagnol ter participado de várias
conversas nas quais seus colegas de força-tarefa discutiram explicitamente
fazer aquilo que ele negava publicamente. Isto é, promover vazamentos e usar a
mídia para seus próprios interesses. Ironicamente, o próprio Dallagnol observou
à BBC o quão complexa é a tarefa de provar que houve vazamentos, pois, segundo
ele, os envolvidos sempre negam: “É muito difícil identificar qual é o ponto
(de origem do vazamento), porque se você ouvir essas pessoas, elas vão negar”,
afirmou.
As conversas fazem parte de um pacote de mensagens
que o Intercept começou a revelar em 9 de junho — série
conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios e documentos
de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e chats privados
do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e
do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica
os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.
Dependemos do apoio de leitores como
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Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem
precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a
política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
Fonte: Tho Intercept Brasil
Fonte: Tho Intercept Brasil