JORNAL, ONLINE, ANGICO DOS DIAS NOTÍCIAS EDIÇÃO DE Nº 20158, (PUBLICAÇÕES NO BLOG). CAMPO ALEGRE DE LOURDES/BA, BRASIL. Sábado. 10, 08, 2019.
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Betto delineia, em dez passos, o que Bolsonaro quer fazer com o Brasil.
Frei Beto. São Paulo. |
Comunicado nº 46/2019.
São Paulo, 09 de agosto de
2019.
Em 1934, o embaixador José
Jobim (assassinado pela ditadura, no Rio, em 1979) publicou o livro “Hitler e
os comediantes” (Editora Cruzeiro do Sul). Descreve a ascensão do líder nazista
recém-eleito, e a reação do povo alemão diante de seus abusos. Não se
acreditava que ele haveria de implantar um regime de terror. “Ele não gosta de
judeus”, diziam, “mas isso não deve ser motivo de preocupações. Os judeus são
poderosos no mundo das finanças, e Hitler não é louco de fustigá-los”. E
sabemos todos que deu no que deu.
Estou convencido de que
Bolsonaro sabe o que quer, e tem projeto de longo prazo para o Brasil. Adota
uma estratégia bem arquitetada. Enumero 10 táticas mais óbvias:
1. Despolitizar o discurso
político e impregná-lo de moralismo. Jamais ele demonstra preocupação com
saúde, desemprego, desigualdade social. Seu foco não é o atacado, é o varejo:
vídeo com “golden shower”; filme da “Bruna, surfistinha”; kit gay (que nunca
existiu); proteção da moral familiar etc. Isso toca o povão, mais sensível à
moralidade que à racionalidade, aos costumes que às propostas políticas. Como
disse um evangélico, “votei em Bolsonaro porque o PT iria fazer nossos filhos
virarem gays”.
2. Apropriar-se do Cristianismo e convencer a
opinião pública de que ele foi ungido por Deus para consertar o Brasil. Seu
nome completo é Jair Messias Bolsonaro. Messias em hebraico significa ?ungido?.
E ele se acredita predestinado. Hoje, 1/3 da programação televisiva brasileira
é ocupado por Igrejas Evangélicas pentecostais ou neopentecostais. Todas
pró-Bolsonaro. Em troca, ele reforça os privilégios delas, como isenção de
impostos e multiplicação das concessões de rádio e TV.
3. Sobrepor o seu
discurso, desprovido de fundamentos científicos, aos dados consolidados das
ciências, como na proibição de figurar o termo ?gênero? nos documentos oficiais
e dar ouvidos a quem defende que a Terra é plana.
4. Afrouxar leis que possam imprimir no
cidadão comum a sensação de que “agora, sou mais livre”, como dirigir sem
habilitação; reduzir os radares; desobrigar o uso de cadeirinha para bebês etc.
5. Privatizar o sistema de segurança pública.
Melhor do que gastar com forças policiais e ampliação de cadeias é
possibilitar, a cada cidadão “de bem”, a posse e o porte de armas, e o direito
de atirar em qualquer suspeito. E, sem escrúpulos, ao ser perguntado o que
tinha a declarar diante do massacre de 57 presos (sob a guarda do Estado) no
presídio de Altamira, respondeu: “Pergunta às vítimas”.
6. Desobstruir todas as
vias que possam dificultar o aumento do lucro dos grandes grupos econômicos que
o apoiam, como o agronegócio: isenção de impostos; subsídios a rodo; suspensão
de multas; desativação do Ibama; diferençar “trabalho análogo à escravidão” de
trabalho escravo e permitir a sua prática; sinal verde para o desmatamento e
invasão de terras indígenas. Estes são considerados párias improdutivos, que
ocupam despropositadamente 13% do território nacional, e impedem que sejam
exploradas as riquezas ali contidas, como água, minerais preciosos e vegetais
de interesse das indústrias de produtos farmacêuticos e cosméticos.
7. Aprofundar a linha
divisória entre os que o apoiam e os que o criticam. Demonizar a esquerda e os
ambientalistas, ameaçar com novas leis e decretos a liberdade de expressão que
desgasta o governo (The Intercept Brasil), incutir a xenofobia no sentimento
nacional.
8. Alinhamento acrítico e
de vassalagem à direita internacional, em especial a Donald Trump, e modificar
completamente os princípios de isonomia, independência e soberania que, há
décadas, regem a diplomacia brasileira.
9. Naturalizar os efeitos
catastróficos da desigualdade social e do desequilíbrio ambiental, de modo a se
isentar de atacar as causas.
10. Enfim, deslegitimar
todos os discursos que não se coadunam ao dele. Michel Foucault, em “A ordem do
discurso” (2007), alerta para os sistemas de exclusão dos discursos: censura;
segregação da loucura; e vontade de verdade. O discurso do poder se julga dono
da verdade. Não por acaso, na campanha eleitoral, Bolsonaro adotou, como
aforismo, o versículo bíblico “Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará” (João 8, 32). A verdade é ele, e seus filhos. Seu discurso é sempre
impositivo, de quem não admite ser criticado.
Na campanha eleitoral, a
empresa BS Studios, de Brasília, criou o jogo eletrônico Bolsomito 2K18. No
game, o jogador, no papel de Bolsonaro, acumulava pontos à medida que
assassinava militantes LGBTs, feministas e do MST. Na página no Steam, a
descrição do jogo: "Derrote os males do comunismo nesse game politicamente
incorreto, e seja o herói que vai livrar uma nação da miséria. Esteja preparado
para enfrentar os mais diferentes tipos de inimigos que pretendem instaurar uma
ditadura ideológica criminosa no país. Muita porrada e boas risadas.” Diante da
reação contrária, a Justiça obrigou a empresa a retirar o jogo do ar.
Mas o governo é real.
Dissemina o horror e enxerga em quem se opõe a ele o fantasma do comunismo.
*Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul
– reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.
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