Passou quase despercebido, fora pequenas notas na imprensa, que
a Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR, contratou
em fins de junho uma empresa de comunicação de Brasília, especializada
em gestão de crises, para atender a força-tarefa da Lava Jato do Paraná
após o Intercept e veículos parceiros começarem a publicar os diálogos
travados entre a turma de Deltan Dallagnol no Telegram.
Os diálogos, como
sabemos, mostram que por trás das roupas de super-heróis que Dallagnol
e Sergio Moro se apressaram a vestir havia conluio entre acusação e
julgador, um procurador afoito para ganhar dinheiro fazendo palestras
– inclusive, às escondidas, para banqueiros que deveriam ser alvos
da Lava Jato – e com a mente atormentada por ambições eleitorais.
Mas também há segredos na relação entre a Lava Jato e a ANPR, uma
espécie de sindicato dos procuradores da República. Soa curioso,
afinal, que a entidade que em tese cuida dos interesses de centenas de
procuradores (entre eles, certamente muitos críticos à Lava Jato e seus
métodos) tenha contratado especialistas para tratar de problemas
restritos a um grupo de menos de 20 de seus filiados – e causados
por eles mesmos.
Desde a eclosão da Lava
Jato, em março de 2014, que a ANPR se tornou defensora de primeira hora
da operação. Nada haveria demais se a defesa ficasse restrita aos
procuradores, razão de existir da entidade. Mas não foi o caso. Em
dezenas de vezes, o então presidente da associação, José Robalinho
Cavalcanti – ele deixou o cargo em maio passado – saiu a
público também para defender Sergio Moro, à época juiz federal. Faça
uma pesquisa no Google e constate – ou clique aqui, aqui ou aqui.
Pelo Telegram, em março
de 2016, Robalinho e Dallagnol trataram da redação de mais uma nota da
ANPR em defesa de Moro e da Lava Jato – à época, para defender o
então juiz por tornar públicos áudios de conversas entre a então
presidente Dilma Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, graças à #VazaJato, sabe-se que a ação de Moro teve motivação
evidentemente política.
Na conversa, Dallagnol
escolhe os adjetivos mais adequados para edulcorar o próprio trabalho e
traz palpites de Moro, com quem também falava pelo Telegram:
___
17 de março de
2016 – chat pessoal
Deltan Dallagnol – 00:31:58– Enviei pro Alan misturando a que ele
fez e a nossa. Ele deve alterar algo e te passar
Dallagnol – 00:31:59 – Nota da Associação Nacional dos
Procuradores da República em reafirmação da legalidade e retidão dos
procedimentos adotados no caso Lava Jto A Associação Nacional dos
Procuradores da República (ANPR), representando seus mais de mil
membros, vem a público rechaçar ataques à decisão regularmente
proferida pelo Juiz Federal Sérgio Moro, atendendo a pedido dos
Procuradores da República integrantes da Força Tarefa do Caso Lava
Jato, a qual levantou o sigilo de diálogos do ex-presidente Lula os
quais foram monitorados mediante autorização judicial. O monitoramento
do telefone usado pelo ex-Presidente Lula e que estava em nome de seu
segurança pessoal foi implementando a o Supremo Tribunal Federal e
diante de evidências de crimes por ele praticados, de acordo com a Lei
9.296/96. Nenhuma autoridade com pedido do Ministério Público Federal
enquanto aquele não gozava de foro perante prerrogativa de foro foi
alvo da investigação, mas sim o ex-Presidente, ainda que fortuitamente
tenham sido captados, em encontro eventual de provas, alguns diálogos
entre o alvo da investigação e detentores de prerrogativa de foro. O
levantamento do sigilo do procedimento, pedido pelos Procuradores da
República da Força Tarefa e deferido pela Justiça, é medida democrática
que atende o mandamento de publicidade previsto na Constituição e os
interesses da sociedade, principalmente quando há atos gravíssimos que
atentam contra a investigação e os próprios fundamentos da República.
Com o esgotamento do monitoramento, o sigilo que tinha por objetivo
garantir a eficácia da investigação deixou de ser necessário e,
consequentemente, como expressão de compromisso constitucional com a
transparência, o procedimento foi submetido ao escrutínio social, o que
tem ocorrido invariavelmente em todos os procedimentos da Lava Jato
quando a eficácia das diligências não depende da manutenção do sigilo.
Diante da notícia de que o ex-Presidente assumiria um Ministério, o que
naquele momento ainda não havia se concretizado, revelou-se ainda
pertinente a remessa do procedimento ao Supremo Tribunal Federal. Assim
sendo, a ANPR repudia veementemente qualquer acusação de vazamento ou
de afronta a direitos e garantias de qualquer pessoa ou Instituição. Os
procuradores da República não aceitam ainda qualquer tentativa de
interferência nas investigações, mesmo que envolvam o emprego do poder
político ou econômico. Tanto o Ministério Público Federal como a
Justiça Federal estão atuando de modo técnico, profissional e
parcimonioso, cumprindo suas funções constitucionais e legais de apurar
crimes gravíssimos cometidos por pessoas poderosas economica e
politicamente. É natural a reação de investigados cujos interesses são
contrariados, mas a ANPR renova sua confiança no prevalecimento dos
ideais republicanos e democráticos que guiam a atuação dessas
Instituições no caso Lava Jato.
Dallagnol – 00:32:03 – Obrigado
José Robalinho Cavalcanti – 00:32:22 – Vou mexer agora mestre
Robalin ho– 01:34:35 – [anexo não encontrado]
Robalinho – 01:34:35 – Veja o,que acha. Tornei mais
política. Amaciei as palavras sem cortar conteúdo
Dallagnol – 01:35:18 – peraí
Dallagnol – 01:36:07 – No primeiro parágrafo ficou
dúbio o que foi feito atendendo a pedido dos Procuradores
Dallagnol – 01:36:17 – A vinda a público rechaçar, ou a decisão?
Dallagnol – 01:36:33 – Parece que a ANPR está
vindo a público só pq pedimos rs
Dallagnol – 01:36:45 – Seria bom ajeitar a redação para deixar
claro que é a decisão que foi feita atendendo a pedido
Robalinho – 01:36:58 – Ok
Dallagnol – 01:37:56 – segundo parágrafo: trocar o lugar da
palavra "integralmente" porque parece que é integralmente a
pedido... colocaria "foi implementado a pedido do MPF
integralmente enquanto..."
Dallagnol – 01:39:13 – ampla defesas - não ficaria melhor talvez
ampla defesa?
Dallagnol – 01:39:22
– ou amplas defesas
Robalinho – 01:40:18 – Ok
Dallagnol – 01:40:27 – trocaria missões por funções... para
retirar a chance de interpretação de messianismo
Dallagnol – 01:41:29 – dava para colocar um adjetivo aí:
"que desenvolvem suas missões de modo técnico e sereno em
investigação complexa, que deslinda...."
Dallagnol – 01:42:10 – vi que depois usou tanto os
adjetivos técnico como sereno... então vai outra possibilidade
Dallagnol – 01:42:23 – "que desenvolvem suas missões
de modo profissional e com equilíbrio em investigação complexa, que
deslinda...."
Dallagnol – 01:43:21 – Moro pede pra não usar o nome dele...
colocaria "no Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba'
Robalinho – 01:43:21 – Já mudei. O que mai rs
Dallagnol – 01:43:29 – Perfeito.
Dallagnol – 01:43:31 – manda ver
Dallagnol – 01:43:34 – ficou excelente
Robalinho – 01:43:34 – Aí
sou contra
Robalinho – 01:43:45 – Deltan temos de defender ele com todas as
letras
Robalinho – 01:43:49
– O nome mesmo
Dallagnol – 01:44:26 – Ok. na parte em que fala que "o
Brasil espera que as instituições funcionem" paraece um tom
crítico
Dallagnol – 01:44:38 –
que pode ser crítico à atuação no caso.
Dallagnol – 01:45:25 – Sugestão:
"O Brasil espera que suas instituições continuem a funcionar de
modo serena, porém firme, dentro da legalidade, e sobretudo sem
qualquer indevida interferência externa, seja política, econômica ou
pessoal, vinda de quem quer que seja."
Dallagnol – 01:46:01 –
Excelente, obrigado!
Dallagnol – 01:46:43 –
Vou embora da proc agora... obrigado! Pode mandar ver
Robalinho – 01:47:45 –
Já vou mandar aqui a versão final. Um minuto
Robalinho – 01:47:45 [anexo
não encontrado]
Robalinho – 01:47:45 – Vejam
como ficou e podem mexer. Rs
Dallagnol [mensagem encaminhada] – 10:17:14 – Deltan vi que a Ajufe está organizando uma
manifestação hj as 13:30
Dallagnol [mensagem encaminhada] – 10:17:14 – Em
todas as subseções os juízes e servidores vão descer em defesa do Moro
e da LJ
Dallagnol [mensagem encaminhada] – 10:17:14 – penso que seria bom fazermos aqui no MPF
também
Dallagnol –10:17:23 – Já foi a nota?
Dallagnol – 10:17:45 – Pode
ter ido. Não vi novamente, mas tava ótima.
Dallagnol – 14:48:07 –
Robalinho, obrigado por todo o seu apoio. Todos aqui entendem que
chegou um momento, agora, de uma articulação maior por parte da ANPR
para coesão da carreira, e agradecemos por podermos contar com Você
nisso. Por faovr, deixe-nos a par do que conseguir implementar, para
entendermos melhor a evolução do cenário, inclusive interno.
__
Dois anos e meio depois, a Lava Jato teria
seu mais dramático efeito sobre o país: a eleição do deputado de
extrema direita Jair Bolsonaro para presidir a República. Numa jogada
inteligente, Bolsonaro chamou Moro para ser seu – dizia-se então
– "superministro" da Justiça. Para surpresa de quem
acompanhava a Lava Jato, inclusive a minha, Moro não conseguiu sequer
fingir que teve dúvidas e aceitou o convite em poucas horas.
Dias depois, Robalinho viu a chance de pedir a Dallagnol – e a
Moro – o retorno pelo apoio tão fartamente prestado ao longo dos
anos anteriores.
__
14 de novembro de 2018 –chat
pessoal.
José Robalinho Cavalcanti – 19:26:13 – Caro
Deltan, O pedido que lhe faço agora – e em larga medida de toda a frentas – é tentar fazer chegar um
apelo a Sérgio Moro sobre o reajuste nosso e dos Juízes. Sabemos que
Moro sempre foi a favor. Sofre com a mesma corrosão que sofremos e
sabe, para além da injustiça conosco – vez que todos tiveram alguma
reposição, menos as magistraturas – que isso está enfraquecendo a
atratividade das duas carreiras. No atual concurso para procurador da
república, por exemplo, só há na fase final um egresso da AGU. Eram 15
no último. E isso é apenas um exemplo. Mas é que, além das declarações
em si do Presidente eleito Bolsonaro, relatos aqui e ali, de fontes
diversas, afirmam que estaria havendo resistências da equipe de
transição do novo governo. Ou ao menos isso estaria sendo usado como
pretexto pela equipe do presidente Temer. Na frentas alguns chegaram a
falar em pedir a Moro uma declaração. Eu me apressei em dizer e lembrar
que isso é incabível e inadequado. Ele já foi escolhido ministro e deve
primeiro conversar evidente com o presidente. Em assunto em que o
presidente falou, não cabe pedir que ele fale em público. Contudo – e
aí vai o pedido efetivo – quero crer que internamente na equipe do novo
governo a ajuda dele seria e é fundamental. O foco do combate ao crime
à corrupção passa certamente pela manutenção da qualidade, da motivação
e do engajamento das magistraturas nacionais. Acredito, então, que ele
não achará indevido – pois não é – procurar o presidente Bolsonaro e
argumentar. Estamos, afinal, na área da Justiça. Estamos há 5 anos sem
efetiva reposição inflacionária – o último reajuste é de janeiro de
2015, porém é a terceira parcela de um reajuste aprovado em 2013 e que
só repõe a inflação até 2013 -, e apenas nós juízes e membros do MP, em
toda a união, não tivemos qualquer reposição. Além disso, fizemos o
dever de casa. O reajuste está no orçamento e está cumprida a emenda
constitucional 95 (o teto de gastos), o que significa que cortes de
despesas compensatórios foram feitos e nenhum (zero) crescimento de
gasto há para a União derivado direta ou indiretamente do reajuste.
Como é verdadeiro também o oposto: sem o reajuste nem um tostão é
economizado. Serão gastos pelos órgãos em outras despesas já em seus
próprios orçamentos. Não irão para saúde ou educação. Nos estados, o
chamado “efeito cascata” também é muito menor do que alegado, pois na enorme
maioria deles os valores já estão nos orçamentos respectivos. E, de
toda a forma, é muito pesado, quase impossível e incompreensível,
exigir de nós, magistraturas federais, ou da união, que carreguemos a
responsabilidade e paguemos sozinhos o custo de ajustes que os
governadores e assembleias têm de fazer. De outra parte, estamos
cientes e de acordo com que passado o reajuste haverá julgamento do AM,
e nada contra temos este julgamento. Defendemos que o valor é legal e
constitucional (existe e é pago nos Estados há quatro décadas), e que
por isso deveria desaparecer por medida legislativa (se fosse o caso).
Mas o que o STF decidir e decidir logo será cumprido, embora,
repita-se, ao contrário do que se afirma em reportagens aqui e ali,
isto não é necessário para compensar gasto público algum. Os valores do
reajuste já foram compensados na União. Por fim, e se você e Moro me
permitem dizer, a primeira reação do Presidente Bolsonaro, talvez a
intuitiva, foi a mais correta e exata. Trata-se de uma decisão que será
tomada no governo atual e pelo governo atual. Ele e seu governo não têm
responsabilidade alguma sobre esta decisão, seja política, seja
administrativa. Não esperamos uma declaração favorável – embora fosse
fantástico se ocorresse rs - , mas se o presidente e sua equipe não
obstarem ou agissem contra já seria muito importante. É isso. Abraços e
muito obrigado. José Robalinho
__
A pressa de Robalinho se justificava: cabia
ao governo do turno, comandado por Michel Temer, incluir no orçamento
ou mandar para lixo o aumento de 16,38% nos salários dos procuradores.
Embora Dallagnol não tenha respondido, pelo Telegram, às mensagens do
presidente da ANPR, o reajuste, afinal, saiu.
Embora
não mais comande a ANPR,
José Robalinho Cavalcanti conversou comigo por mais de 20 minutos,
ontem, a respeito da contratação da Novo Selo para a Lava Jato e da
defesa que a entidade fez, sob seu comando, do então juiz Moro
– alguém de quem procuradores, por questões éticas, deveriam
manter um afastamento protocolar.
"Até onde eu sei, é um contrato amplo de assessoria. Não conversei
sobre isso em tempo algum com o atual presidente, mas achei bastante
natural, muito boa, não vejo nada demais", opinou, sobre a
entidade contratar uma empresa para cuidar da imagem dos procuradores
da Lava Jato.
"Estamos num ano muito pesado, e não estou fazendo qualquer
crítica às reportagens que vocês estão fazendo, mas elas são apenas um
pedaço das questões que estão atingindo a carreira do MPF hoje. Você
tem [a lei do] abuso de autoridade, [a escolha de um novo procurador
geral da República fora da] lista tríplice, ene coisas que estão num
contexto de gestão de crises. Não se resume à Lava Jato",
argumentou.
A assessoria da ANPR enviou, por e-mail, o seguinte: "A Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade de direito
privado, e a Novo Selo Comunicação assinaram, em julho de 2019,
contrato de 3 meses para prestação de serviços de assessoria de
imprensa. A empresa auxilia a ANPR e seus associados na gestão de
imagem e no relacionamento com os meios de comunicação em diversos
temas públicos de interesse da entidade".
Robalinho
disse não se lembrar do teor das conversas, nem ter mais como
acessá-las, haja vista que Dallagnol as destruiu. Mas confirmou que
discutia notas com os procuradores da lava Jato. "Era praxe da
minha diretoria que notas da ANPR que se relacionavam com qualquer
colega fossem discutidas com os envolvidos, para ver se os fatos
estavam corretos", falou.
Sobre defender Moro, disse o seguinte: "Soltei notas também em
favor de Marcelo Bretas e em favor de juíza federal do Norte do país,
quando colegas foram atacados de forma conjunta, sempre que fosse
importante para a classe. Nunca vi problema nisso".
Robalinho, que disse ser homem de boa memória, garantiu não se lembrar
de pedir a Dallagnol que falasse a Moro sobre o reajuste de
procuradores e juízes, em novembro de 2018. Mas relatou ter estado com
o ministro, em janeiro de 2019, para tratar de temas que ele listou a
Dallagnol em mensagens enviadas no mesmo 17 de novembro — a sucessão na
Procuradoria Geral da República e segurança pública. Além, claro, de
salários.
"Eu falei com Moro. Não nessa época, mas depois dele assumir como
ministro. Já tinha saído reajuste, mas toquei nessa questão
remuneratória. Foi em janeiro de 2018. Pedi oficialmente uma audiência.
Fui para tratar do pacote dele, de questões institucionais, toquei no
assunto de listra tríplice e de questões remuneratórias", afirmou
Robalinho.
Perguntei a Sergio Moro se recebeu de Dallagnol o pedido do então
presidente da ANPR. Longe de ser o "superministro" que
imaginava e cotidianamente ameaçado no cargo, ele recusou-se a
responder. "O Ministro da Justiça não se manifesta sobre supostas
mensagens de terceiros - obtidas por meios criminosos - e desconhece o
assunto em questão", informou, via assessoria.
Também via assessores, Deltan Dallagnol disse que não iria se
manifestar.
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